Retrospectiva 2020

Áreas de Preservação Permanente: judicialização e riscos para empreendedores

As restrições decorrentes de Áreas de Preservação Permanente (APP) estão diretamente ligadas à viabilidade de um empreendimento, e podem levar até mesmo à desocupação ou à demolição forçadas de áreas já ocupadas. Esses espaços protegidos estão presentes em áreas urbanas ou rurais, ocupadas ou não, e que, portanto, atingem segmentos diversos da economia, mesmo aqueles sem nenhuma relação aparente com impactos ambientais.

Em 2020, as APP estiveram muito presentes na agenda do Judiciário, com decisões que geram incerteza a milhares de empreendedores, como, por exemplo:

• Posições conflitantes dos tribunais superiores: Enquanto o Supremo Tribunal Federal (STF) proferiu decisões que aplicam o atual Código Florestal (Lei nº 12.651/2012), como regra de transição para situações consolidadas em APP (ex.: Rcl 39270, Rcl 40343), o Superior Tribunal de Justiça (STJ) seguiu entendendo que as decisões do STF não impedem a análise sobre a aplicação do Código Florestal revogado (ex.: REsp 1646193, e REsp 1731334).
• Divergência sobre aplicação do Código Florestal ou da Lei da Mata Atlântica: A Advocacia-Geral da União propôs a ADI 6446, no STF, que discute se o regime de áreas consolidadas em APP, previsto no Código Florestal, também é aplicável às áreas de Mata Atlântica (que abrangem a parte mais povoada e desenvolvida do território nacional).
• Divergência sobre a delimitação das APP: O Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) revogou resoluções que definiam limite específicos para APP, por entender que essas normas não são compatíveis com o atual Código Florestal. Porém, o STF concedeu liminares para reestabelecer a vigência dessas resoluções.

Tais casos iniciados em 2020 ainda aguardam decisões definitivas.

Até o momento, a judicialização das discussões sobre APP não levou a decisões claras sobre as regras a serem seguidas, gerando insegurança e risco para empreendedores de quaisquer segmentos.

Assim, as regras aplicáveis às APP, que já eram impactantes para os negócios, tornaram-se ainda mais sensíveis, exigindo análises cada vez mais criteriosas para tomadas de decisão.

Sistemas de logística reversa ganharam mais força

A logística reversa é importante instrumento da Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei nº 12.305/2010), que viabiliza a coleta e o retorno de resíduos sólidos pós-consumo ao setor empresarial, para destinação final ambientalmente adequada.

Esse instrumento, que já havia mostrado avanço durante o ano de 2019, seguiu progredindo em 2020.

Na esfera federal, novos sistemas de logística reversa surgiram ou avançaram:

• Eletroeletrônicos – Em 12/02/2020, o Decreto nº 10.240/2020, replicou a todo o mercado o conteúdo do sistema de logística reversa firmado por meio de Acordo Setorial em 31/10/2019.
• Medicamentos – Em 05/06/2020, o Decreto nº 10.388/2020 instituiu o sistema de logística reversa de medicamentos domiciliares vencidos ou em desuso.
• Latas de alumínio – Em 19/08/2020, o Ministério do Meio Ambiente abriu consulta pública sobre a proposta do Termo de Compromisso para fortalecer logística reversa de latas de alumínio.

Esses sistemas se juntaram aos já implementados sistemas de logística reversa de embalagens de agrotóxicos, baterias, pilhas, pneus, lâmpadas fluorescentes, óleos lubrificantes, embalagens de óleos lubrificantes, embalagens de aço, e embalagens em geral.

Embora esses sistemas tenham abrangência nacional, também houve iniciativas locais ao longo de 2020, como, por exemplo:

• São Paulo – Em 06/04/2020, a Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (CETESB) dispensou o atendimento das metas quantitativas de logística reversa durante o período de vigência do estado de emergência gerado pela pandemia do COVID-19, desde que atendidas determinadas condições (Decisão de Diretoria CETESB n° 035/2020).
• Mato Grosso do Sul – Em 27/7/2020, o Estado disponibilizou o Sistema de Logística Reversa de Embalagens em Geral – Sisrev, para atendimento do Decreto Estadual nº 15.340/2019. Ainda, em 27/11/2020, o Ministério Público do Mato Grosso do Sul publicou um edital convocando mais de 9 mil empresas para comprovarem o cumprimento de obrigações referentes à logística reversa de embalagens no Estado.

Dado o avanço do tema, e a competência concorrente da União, Estados e Municípios para legislar sobre a matéria, a interpretação de normas possivelmente conflitantes e o posicionamento estratégico para cumprimento de obrigações se tornaram ainda mais relevantes.

Tendências 2021

Compliance Ambiental: Uma tendência inevitável

Quando financiadores, governos e tribunais adotam uma mesma tendência, ela se torna praticamente inevitável. É o caso das exigências mais rigorosas de conformidade ambiental.

Governos vêm dando sinais de novas posturas sobre conformidade ambiental, que poderão afetar a exportação de commodities. O Reino Unido trabalha para editar norma que previna o uso de suprimentos obtidos por meio de desflorestamento ilegal em sua origem¹. A União Europeia também discute a implementação de regras nesse mesmo sentido². Na mesma linha, o Presidente eleito dos EUA, Joe Biden, apresenta planos de uma administração que terá o meio ambiente e as mudanças climáticas entre suas prioridades³.

No Judiciário, o atual presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Luiz Fux, declarou que a defesa do meio ambiente estará entre as prioridades de seu mandato⁴, e  lançou o Observatório do Meio Ambiente do Poder Judiciário (Portaria CNJ nº 241/2020), demonstrando haver uma preocupação ativa com o tema.

Na esfera privada, investidores e financiadores passaram a incluir mais fortemente a análise de parâmetros ESG (do inglês, Environmental, Social and Governance) ao avaliarem empresas⁵, e o mercado passou a discutir o aprimoramento da regulação sobre o tema⁶.     

Consequentemente, 2021 tende a ser um ano em que os mecanismos de incentivo e controle de conformidade ambiental ganharão maior relevância para o sucesso nos negócios.

Esses mecanismos incluem, por exemplo:

• Auditorias (internas e de fornecedores);
• Novas obrigações e proteções contratuais (como obrigações de reporte, indenizações e garantias específicas, etc.);
• Códigos de Conduta e Políticas internas;
• Gerenciamento ativo das condutas internas e de fornecedores; e
• Gerenciamento de normas, licenças e decisões judiciais.

Novas regras para o licenciamento ambiental

Sem encontrar consenso ou espaço na agenda do Congresso Nacional ao longo de 2020, mas sendo tema fundamental para viabilizar investimentos em infraestrutura e a retomada econômica, é esperado que o Projeto de Lei sobre o licenciamento ambiental (PL 3729/2004) avance em 2021.

A importância de uma lei federal sobre a matéria decorre de diversos fatores, tais como:

• A ausência de normas gerais causa falta de uniformidade do procedimento, pois permite que Estados e Municípios legislem livremente sobre o tema (conforme o art. 24, §3º e art. 30, da Constituição Federal);
• Necessidade de simplificação do licenciamento ambiental de atividades de baixo impacto, permitindo que órgãos ambientais concentrem esforços no licenciamento de empreendimentos de impacto significativo; e
• Necessidade de uniformização do procedimento de participação de outras autoridades envolvidas no licenciamento ambiental, como a FUNAI, o IPHAN, o INCRA, o ICMBio, entre outras.

Além disso, a edição de uma lei geral sobre o licenciamento ambiental também oferece oportunidades para aprimoramento desse instrumento, como, por exemplo:

• Padronização de procedimentos, para ganho de eficiência administrativa;
• Geração de bancos de dados para aproveitamento de estudos ambientais já realizados em uma mesma região; e
• Regulação clara sobre o procedimento de consentimento livre, prévio e informado de povos indígenas e tribais, previsto na Convenção nº 169, da Organização Internacional do Trabalho – OIT, ratificada pelo Brasil.

1. https://www.gov.uk/government/consultations/forests-reducing-deforestation-in-uk-supply-chains↩
2. https://www.europarl.europa.eu/news/pt/press-room/20201016IPR89560/pe-quer-legislacao-vinculativa-para-travar-a-desflorestacao-motivada-pela-ue↩
3. https://joebiden.com/environmental-justice-plan/ e https://joebiden.com/clean-energy/↩
4. https://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/prestes-a-assumir-presidencia-do-supremo-fux-diz-que-vai-priorizar-defesa-do-meio-ambiente-e-combate-a-corrupcao/↩
5. https://www.anbima.com.br/pt_br/imprensa/guia-da-anbima-sobre-sustentabilidade-no-mercado-traz-recomendacoes-para-gestoras-implementarem-politicas-asg.htm↩
6. https://conteudos.xpi.com.br/esg/panorama-do-marco-regulatorio-de-investimentos-esg-no-brasil/↩